domingo, 20 de junho de 2010

Claudia Wasilewski e a crônica CONFIÁVEL?

CONFIÁVEL?

Me considero muito confiável. Sei guardar segredos ou simplesmente silenciar. Muitos amigos sabem que não conto nada nem espetada, e escuto sem críticas, conselhos ou palpites. Se precisam falar, que falem.
Na minha vida me afastei e me perdi de pessoas, outras me sacanearam, mas mesmo assim não senti vontade de entregar nenhum segredo. Não porque sou boazinha, mas por entender que se abriram comigo, e naquele momento eu fazia parte das sua vidas.
O que me assusta são pessoas que nunca vi, ou tenho relacionamento superficial, no máximo cordial, virem até mim com a certeza que vou ajudá-las. Vejam só.
Fui com o meu marido comprar um porção de camarão. Conversa boba com o cozinheiro, pedi que fosse caprichada, coisas do tipo. Quando estávamos saindo ele me disse: -Preciso falar com você. Pensei que o troco estava errado e ele completou: -Não sou feliz no meu casamento. O meu marido foi embora rindo, claro que com o camarão na mão. E lá fiquei. Me contou da sogra, cunhadas, cunhados, filhos. Ao longe ouvia o croc croc do camarão. Quanto mais ele falava, mais vermelho ficava. Parecia uma crise de hipertensão. Tentava maneirar, dizendo que uma boa conversa resolve tudo, e que focasse sua vida com a mulher e os filhos. Mas não conseguia parar de pensar no palito espetando o camarão. Quando acabou a conversa voltei para a mesa, tinha um marido sorridente e um prato vazio. Pobre de mim, não ganhei um bônus do cozinheiro e nem corri o risco de comprar outra e continuar ali.
Vou para a praia totalmente vazia às 07:30 da manhã. Abro o livro do Neruda, CONFESSO QUE VIVI. Senta do meu lado uma moça e me diz : -Se eu não falar com alguém vou me matar. Pronto, fecho o livro. Começa o relato. Ela era de alguma secretaria de saúde do interior e havia comprado medicamentos errados. Estava separada, a poucos meses, e tirou férias para esfriar a cabeça, se divertir. Na noite anterior foi avisada do erro e que sua demissão era inevitável. Nessas alturas nem quis saber qual cidade ou estado. Como poderia aconselhar, consolar? Foi traída, humilhada, ficaria desempregada com dois filhos pequenos. Respirei fundo e não dei razão a ela. Disse para não interromper as férias e que na volta procurasse conversar com a chefia e explicar o momento que se encontrava. E se mesmo assim não desse certo, que se jogasse no chão, babando e tremendo. Ela riu, me pagou um coco e foi embora.
Toca o telefone de madrugada. Atendo e a voz do outro lado diz: - Estou no orelhão da Praça da Ucrânia e quero me despedir da senhora. Já tomei os remédios e agora é só esperar para morrer. Que susto! Saio correndo de casa com o meu marido junto. Chego na praça, e vejo o porteiro do prédio completamente bêbado, chorando. Nenhuma tentativa de suicídio. Um baita porre. Brigou com a mulher e resolveu me colocar na roda. Chorava e dizia: -Dona Craudia eu só quero morrer. Confesso que às 03:30 da manhã nós já tínhamos ímpetos de matá-lo. Quando olho para pista do expresso se desenha a visão do inferno. Meus dois sobrinhos João e Daniel caminhando calmamente pela caneleta, tomando cerveja. Saí da casinha, briguei com os dois, com porteiro e brigaria com quem mais aparecesse. Hoje acho que a visão do inferno foi deles. Eu sim estava no lugar errado.  Me arrependo, estavam certos, e fiz muito dessas. Quanto ao porteiro, continuou chorando e não se matou. Só um caso de bêbado depressivo.
Por que comigo?

* Esta crônica está publicada na Revista Idéias

Nenhum comentário:

Postar um comentário