terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Conto

Publico, novamente, este conto,de minha autoria, que foi premiado em 2008


O CRAVO
Naquele 12 de julho de 1995, chovia e fazia frio, pois foi um dos invernos mais rigorosos. Temperatura baixa, por diversas vezes aumentei o nível da calefação. Meu apartamento ficara fechado por dois meses, eu estava em uma turnê pelo Brasil.
Não consigo ficar longe do meu cravo. Em algumas turnês eu o levo, porém, não em todas. Isto me aborrece, mas quando chego em casa, o primeiro ato que faço é dedilhá-lo para sentir suas teclas e sua música que me deixam em êxtase. É muito forte a ligação que temos.  Realmente um caso de amor de muitos anos, pois eu o ganhei de meu pai aos 10 anos, e isto nos une por mais de 25 anos. Identificamos-nos nota a nota, cadência a cadência, suaves ou abruptas. Há, verdadeiramente, uma cumplicidade.
Não raro, quando começo a tocar, sinto sempre a presença de alguém que, na verdade, me estimula mais e mais a tocar, a sentir o cravo, a ousar nas notas e nas composições, minuto a minuto, nota a nota, dedilhada a dedilhada; mas, naquele frio e úmido final de tarde, eu não conseguia me concentrar, algo estava me atrapalhando, me incomodando e havia o cheiro de um doce perfume que eu jamais havia sentido.
Não me concentrando, decidi tomar um banho, ficar horas na banheira para descansar e eliminar aquela incômoda sensação. Fui até o banheiro do meu quarto, abri a torneira para encher a banheira com água quente, joguei alguns sais e, enquanto a banheira enchia, tirei minha roupa. Olhei-me no espelho de moldura prateada, bem no centro do banheiro e pude perceber que precisava dedicar-me ainda mais aos meus exercícios; tenho o corpo definido, mas quero mais, talvez mais definido e maior para poder acolher melhor as mulheres que passam pela minha vida. Aproveitei o vapor que saía da banheira e me barbeei. Gosto do contato em meu rosto da espuma de barbear e também do deslizar da lâmina - uma vez só é o suficiente para deixar a pele macia - sem machucá-la.
O grande espelho com moldura prateada começava a embaçar o que dificultava ver-me por inteiro, mas uma imagem se formou como se fosse o corpo de uma mulher. Não conseguia identificar, porém acreditara que: "são coisas do vapor da banheira, toda vez que me banhava". Para mim o banho é um ritual, no qual você deve admirar-se e demorar, para melhor usufruir cada momento. O banho deve ser extenuante e estimulante ao mesmo tempo.
Ao terminar de encher a banheira, liguei a hidromassagem, e em segundos aquela banheira ficou borbulhante, sedosa e atraente para poder mergulhar meu corpo. Antes de entrar, desliguei a hidromassagem, abri o pequeno bar que tenho no banheiro, peguei uma boa garrafa de vinho tinto e uma taça. Abri o vinho, sempre tinto e encorpado, lentamente deixei-o cair na taça e em seguida entrei na banheira.
Subitamente, senti a sensação de estar sendo observado por aquele imenso espelho de moldura prateada, porém, a princípio, era apenas o que havia sentido anteriormente, e como o banheiro estava enevoado devido à temperatura da água da banheira, deixei minha imaginação acontecer.
Após longos minutos de enlevo e já quase meia garrafa de vinho, percebi macias mãos acariciando minhas pernas. Mãos absolutamente suaves, e quanto mais elas me acariciavam mais eu sentia aquele perfume adocicado penetrar pelas minhas narinas, embriagando-me e levando minha imaginação quase ao descontrole. Não ousei abrir os olhos, pois sentir o toque das mãos e o odor daquele perfume parecia bastar, e mais do que tudo me excitavam num prazer absoluto.
Levei a mão até a garrafa e, de olhos fechados, me servi de mais uma taça de vinho, degustando-o lentamente. A sensação foi quase indescritível, pois à medida que bebia, aquelas mãos faziam mais e mais movimentos rápidos - estavam me levando ao máximo prazer.
Novamente, não ousei abrir os olhos, me servi de mais uma taça de vinho e os movimentos frenéticos aumentavam a cada instante, a cada segundo, fazendo-me chegar ao ápice.
Adormeci, porém aquele perfume estava mais forte, mais doce, agressivo, como se viesse para perturbar os meus desejos e as minhas vontades. Ah! Este cheiro me deixava louco e excitado. O prazer voltou.
Levantei, tomei uma ducha bem quente, não me enxuguei, coloquei o roupão, porém não o amarrei: saí do banheiro, atravessei todo o meu quarto, a ante-sala que me separava dos demais cômodos, e fui para a janela observar a chuva que caía, um pouco mais fraca, porém ainda se fazendo presente juntamente com uma névoa, que não permitia se observar o outro lado da rua.
Cheguei até a sala principal onde tenho meu cravo. Fui até o bar e abri outra garrafa de vinho, pois a que estava no banheiro não deveria ser mais tocada para poder guardar na lembrança os momentos gostosos que tive naquela banheira.
Peguei outra taça e me servi de outra garrafa do mesmo vinho tinto de sabor incomparável. Comecei a dedilhar uma sonata que havia composto durante a turnê e degustava a bebida.
De olhos fechados, após finalizar o primeiro gole, senti novamente aquele perfume doce-agressivo e aquelas deliciosas mãos, agora apalpando meu peito. Os dedos se entrelaçavam entre meus pelos e as mãos desciam, desciam e me enchiam de prazer. Não me controlei.
Ah! Abri meus olhos, estava exausto, porém absolutamente satisfeito. Continuei a tocar a minha sonata e a sonhar, sonhar, sonhar...

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